Morire a Cuba, ou duas filiações (Doc’s Kingdom 2009, Serpa #1)
Se, como disse Cyril Neyrat, LA RABBIA (1963) de Pier Paolo Pasolini – uma sua tentativa de criar um “novo género cinematográfico”, o “ensaio de montagem”, trabalho sobre “imagens vulgares [...] que se encontram à mão”, as actualidades, então consideradas de baixo nível – terá tido influência na obra posterior de Guy Debord, Groupe Dziga Vertov e, mesmo, no Godard das HISTORIE(S), será talvez também possível, com um pouco de maldade, encontrar-lhe uma outra filiação, esta bem menos nobre. Na relativa emancipação das duas bandas – a de som, em particular, do texto que é dito (ainda que não na elegíaca, mas mais simples e directa, bela voz do próprio Pasolini) e a de imagem – pôde inscrever-se certamente a vocação ensaística. Mas também, ainda que não decorrendo do espírito do seu gesto, mas sobretudo com o uso desligado que, por vezes, Pasolini faz da música (Straub disse, a propósito de IL VANGELO SECONDO MATTEO (1964), que o realizador italiano teria “vidée sa discothèque [despejado a sua colecção de discos]”), a enfatização da desgraça. | Esta hipotética descendente do insuportável audiovisual lacrimoso corrente que, com efeitos gordurosos de imagem a acompanhar (dessaturação, arrastamento, etc.), pretende comover-nos, na verdade, fazer-nos exorcizar rapidamente, as desgraças diárias que é função dos noticiários precisamente presentificarem. Veja-se, na versão curta, a passagem sobre os cadáveres do morire a Cuba [00:10:49 – 00:11: 09] com o Adagio de Albinoni. Certo, Pasolini é ainda cauteloso, sem o excesso sentimental que a bastarda descendência audiovisual sem descanso explorará, mas talvez deixe a porta aberta... Imediatamente depois, diz: Morire a Cuba, forze solo una canzone poter dire cosa c’era... |
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