Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #52 (António Guerreiro)

«A morte do examinador é a contradição performativa

O que chama a atenção na prova escrita de Português do 12º ano não é o enunciado, mas os preliminares: dezena e meia de indicações, prescrições, prevenções, proibições. Com um zelo burocrático total, os examinadores não deixam nada ao acaso, não ousam permitir aos alunos uma margem mínima para estes exercerem voluntariamente e sem tutelas as normas básicas do bom senso (por exemplo, que a resposta a um determinado item deve ser identificada com o número ou a letra desse item). Hoje tutelados, amanhã delapidados – eis o destino de uma geração.
E porque nada pode ser deixado à mercê de decisões e interpretações pessoais, os examinadores chegam ao ponto de avisar, na pág. 7: “Página em branco”. Mas aqui incorrem numa contradição que não admitiriam aos alunos: a chamada ‘contradição performativa’, que consiste em dizer algo que é imediatamente desmentido por aquilo que se faz: nenhuma página pode ser em branco se nela está escrito “Página em branco”. E se os alunos, perante tão enigmática “Página em branco”, mandassem os examinadores para onde eles merecem – para Aristóteles e Karl-Otto Apel?»
António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 20.6.2009; 
cf., na mesma edição, «Ao serviço do consumidor»: “[...] editar livros é exercer uma actividade dirigida a quem não gosta de ler”.

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