Ao pé da letra #51 (António Guerreiro) «O discurso político é reconhecível como sintoma | |
O momento de estertor de um governo anuncia-se através de um sintoma: o discurso da estupidez. A bêtise, dizia Flaubert, é inabalável, da natureza do granito, dura e resistente. Ninguém a ataca sem ficar ferido. Por isso, Adorno e Horkheimer definiram a estupidez como uma “zona endurecida cuja superfície é insensível”. Irredutível, compacto e cheio de tenacidade, o discurso da estupidez é vazio mas obstinado. O idiota de Rilke, na sua “Canção do Idiota”, pede que não o incomodem e o deixem prosseguir: “Como é bom/ nada pode acontecer.” | Manifestações do discurso da estupidez enquanto força imobilizadora e, ao mesmo tempo, afirmativa tivemo-las em abundância no dia das eleições: a ministra da Educação que avança, soberana e arrogante, com um “deixem-me passar”; o ministro das Obras Públicas que ninguém detém porque vai ao carro buscar tabaco; o primeiro-ministro que vê no resultado um incentivo “para prosseguir, ainda com mais determinação, o mesmo rumo”. Esta corrida irreprimível traça o destino de um sujeito debilitado, incapaz de controlar um discurso que não se diz outra coisa senão que a bêtise triunfou.» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 13.6.2009. |
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