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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Honras

Um cineasta ser convidado para uma bienal de arte contemporânea é mais ou menos o mesmo que ser homenageado na presença de ministros. O que parece uma honra, na verdade não é.

6 comentários:

Anónimo disse...

No tiene nada que ver con ministerios, y ni es una honra ni, menos aún, una deshonra. Puede que haga algo interesante, o que recicle algo ya hecho. Se supone que hará su nombre un poco más conocido en su propio país, un poco más respetado. Seguro que ni pierde mucho tiempo con ello. No veo razón para regocijarse, pero menos aún para lamentarlo. Salvo el prejuicio.
Miguel Marías

André Dias disse...

Obrigado pelo comentário.

Repara que não falei de ministérios, mas sim de ministros, que são os pequenos reis que reinam na terra dos ministérios. Quando um cineasta é homenageado, como foi agora o caso de Oliveira na Cinemateca Portuguesa, a sessão é normalmente abrilhantada com a presença dos ditos ministros, que tornam a sessão mais solene e pomposa. Nem é preciso referir o pouco que essas pessoas ministros, mesmo os do reino da cultura, têm que ver com o cinema propriamente dito. Essa solenidade comporta muitas vezes uma evidente segregação de classe que, efectivamente, diminui o espectador qualquer, que acaba por sentir que vive numa bolha de irrelevância. Estou em crer que é mesmo um dos efeitos desejados para a sessão. Talvez seja problema meu, mas não consigo conceber tal ambiente como o adequado a uma homenagem sincera a um realizador de cinema.

Há outros efeitos nocivos para o ambiente da presença de ministros. Por exemplo, Pedro Costa esteve a apresentar o THE EXILES, escolhido por si, na comemoração dos 50 anos da nossa Cinemateca. Como o ministro das obras públicas, repito, das obras públicas, estava sentado a dois passos dele, literalmente, enquanto o realizador discursava, tal teve um efeito claramente constrangedor para ele. Habitualmente tão corajoso e acusador com as suas palavras, em particular perante pequeno-burgueses pobres como eu e outros, naquela circunstância, talvez por se sentir obrigado pela amizade ao Bénard da Costa, meteu, como se diz em bom português, o rabinho entre as pernas. Aquele realizador, que tem tantos filmes sobre o problema da habitação, não foi capaz de dizer nada sobre isso perante o ministro. É o problema do "perante", que é muito difícil. A mim lembrou-me a cena do filme do Moretti em que ele grita para o D'Alema na televisão: "Diz alguma coisa de esquerda!" [dì una cosa di sinistra!]. Mas o Pedro Costa tem os seus filmes, que são, mais do que de esquerda, involuntaristas de esquerda, e não precisa de dizer mais nada. Portanto, a meu ver, a presença de ministros é mesmo uma desonra.

Quanto às artes contemporâneas, com que comparava essa desonra, julgo que têm muito pouco a oferecer ao cinema, excepto em aparato e benesses. Em particular, a forma museu corresponde ao aprisionamento do cinema enquanto arte constituída, quando até os cinéfilos mais eruditos se orgulham do seu carácter popular, de uma arte para todos, de arte do século (passado). Se há que encontrar um arquivo ou um mausoléu para o cinema, prefiro sem dúvida alguma a internet ao museu.
Mas também me desagrada o modo discursivo como as artes se gerem, mastigando as obras em inglês, empacotadas pelas sinistras figuras dos comissários (modelo de que os programadores de cinema deviam aliás fugir a sete pés), antes de se oferecerem ao público como comentário sofisticado da realidade do mundo. Artes do comentário, precisamente aquilo que o cinema não devia ser.
Uma coisa que o artigo referia era a passagem de artistas para o cinema, que é desastrosa em geral [HUNGER é um asco!], salvo raríssimas excepções [Richard Serra, por exemplo], e dos cineastas para as instalações, que é também um pouco equívoca. Devo dizer que não me excita por aí além essa passagem e acho-a um beco sem muita saída. Ou então uma reciclagem profissional, uma subida do estatuto aparente. Não acredito no espectador emancipado, como lhe chama o Rancière. Parte do encanto do cinema tem que ver com a fixação do espectador à cadeira para melhor receber o filme. Pensando bem, é um dispositivo horrível, coercivo. Mas necessário para os belos prazeres que ao cinema tomámos.
Logo, outra desonra.

Agora, podes chamar a tudo isto preconceito [prejuicio]. Terás também a tua razão.

Anónimo disse...

La verdad, me extraña tanta honra o deshonra, que creí preocupaba en tiempos de Calderón de la Barca, y que en un cineasta depende de lo que haga y como lo haga, no de supuestos "honores" o "reconocimientos oficiales", como tampoco del éxito de público o la buena acogida crítica. Un cineasta (o un escritor, músico, pintor) no pueden elegir sus admiradores ni impedir (sean sinceros o no) que políticos o magnates digan que lo son. No es responsabilidad suya, sobre todo si no hacen nada para merecer esos "homenajes" o reposan en un malentendido o el afán de labrarse una imagen culta, moderna o progresista de los que lo proclaman. Que por educación o timidez o falta de espíritu provocador acepten un homenaje o una medalla, de un ministro o ministerio no me parece grave, si ellos no lo han pedido ni intrigado para lograrlo. No disminuye a Ford, Duke Ellington o Louis Armstrong dejarse invitar a la Casa Blanca ni que siquiera Nixon le ponga una medalla. Considerar como honorser expuesto en una galería de arte, museo o pabellón de Biennale me parece exagerado. Tampoco creo - estoy de acuerdo - que tal exposición consagre o aporte nada al cneasta -y menos si su arte, además del tiempo, se basa en la duración y requiere una mirada atenta y concentrada, como es el caso de Costa, y de Kiarostami, Erice, Godard, Varda, Guerín y otros, casi todos los que han recibido ese "tratamiento" -, ni al cine - que es cada vez socialmente más intrascendente -, pero nada le quita ni al uno ni al otro. Puede que al autor le de un poco de fama, un poco de respeto, un poco de dinero que le permita hacer un film verdadero. En algún caso raro, le dan medios y estímulos para hacer una obra, probable pero no necesariamente "menor", que ni la industria (suelen estar al margen, voluntariamente o a causa de su exigencia) ni los ministerios de cultura suelen darle. "La Morte Rouge" no es lo mejor de Erice, pero es bueno que exista. Y Godard se las arregló en el Beaubourg/Pompidou para hacer algo muy suyo y muy interesante. Nadie hace lo mismo con Spielberg ni lo hizo con Kubrick - con guto lo harian - porque ellos no lo necesitaban. Qué pintara en The Exiles presentado por Costa el ministro de obras públicas (aquí serían otros los responsables de Fontainhas, no sé en Portugal), si no es cinéfilo, se me escapa, salvo que lo enviase en representación suya el Primer Ministro. Más vale, creo, que Costa hable de Mackenzie en lugar de aprovechar la ocasión para hacer revindicaciones y crear situaciones violentas a una institución acogedora o a un amigo. Ya se sabe que los actos "sociales" y solemnes son un aburrimiento; si no gustan, más vale no ir, salvo que algo compense la molestia, ¿no?
Miguel Marías

André Dias disse...

Tens razão em tudo o que dizes. Mas há sempre um pouco mais em cada história. “Defesa da honra” ainda se usa por cá no Parlamento. Usei “honra” no sentido mais pequeno que possa haver. Não como algo que motive duelos, certamente. Procurava apenas a introdução de uma dobra para mostrar que estas situações são complexas, não neutras. O teu comentário esforça-se por neutralizar ou menorizar os efeitos que encontro nessas situações, mas não deixa de ser verdadeiro. Que os realizadores aceitem medalhas ou não pouco importa, é verdade. Isso muda pouco nas suas obras. Mas também não estava a colocar a ênfase neles e na sua responsabilidade, mas sim nos actos em si, naquilo que eles produzem.

Talvez o interesse do museu pelos cineastas seja afinal uma maneira de “spread the wealth”, de redistribuição da riqueza entre os realizadores, como dizes. Nunca tinha pensado nisso. E certamente que tudo os pode motivar a produzir novas obras, mesmo a plantação no solo estéril e branco dos museus. Mas a mim preocupam-me os efeitos dessa forma museu sobre o cinema. Ainda assim acho bom que acredites que todos possam resistir ou passar incólumes por essa máquina. Godard bem que sofreu.

Quanto ao caso Costa e o ministro, já não é tão simples quanto parece. E é apenas natural que não tenhas demasiado interesse em fazer fé na situação que conto. É claro que Costa falou sobre Mackenzie e, se bem me lembro, até aflorou algo vago sobre a “justiça”. O problema aqui, ou o paradoxo, é que falar sobre aquele filme em particular, que retrata um modo de vida muito semelhante aos dos próprios de Costa, implicava falar de política, e de políticas públicas sobre minorias em particular. Não era que ele tivesse que fazer um movimento artificial para conseguir implantar um tema falso e rebuscado ao apresentar de THE EXILES naquela ocasião. Pelo contrário, era o que o filme pedia. E foi o filme que escolheu. Que não o tenha feito demonstra apenas que o filme e a sua partilha, as verdadeiras reivindicações, eram afinal menos importantes do que a docilidade necessária à solenidade ou à amizade da situação. Ou então que confia, surpreendentemente, nas simples potências da programação.

Depois, estas docilidades caem menos bem quando em geral se tem um discurso extremamente agressivo e acusador, sobretudo para os que apoiam a obra sem se submeterem ao mito e ao discurso aprovado do mito. Talvez este aspecto de Pedro Costa seja menos conhecido no estrangeiro. Há sempre modulações da voz a fazer quando se atravessam as fronteiras. Por exemplo, pode citar-se Deleuze em Tóquio e depois denegri-lo para consumo interno. Compreenderás que a mim, que não aprecio particularmente ser apelidado de pequeno-burguês por tudo e por nada, quando até apanho o mesmo autocarro que ele apanhava para ir às Fontainhas e vivo como posso, não me caia bem tanta agressividade para com os pequenos e depois tanta docilidade com os ministros. Mas isso sou eu, que nasci com o pêlo irritado.

Anónimo disse...

Entiendo lo que dices, y agradezco las explicaciones. Estoy más de acuerdo ahora, con matices y aclaraciones, que con la frase lapidaria (¿no?) inicial. Sí, yo he visto a Costa siempre en España; y nunca lo he encontrado ni agresivo ni crítico ni nada propicio a hacer el menor caso a ningún representante oficial, ni español ni portugués. En cualquier caso, sea o no el ministro competente, no creo que el marco de una proyección sea el más adecuado. Cabía ingenuamente hacer arriesgadas alusiones (del todo inútiles) cuando había una dictadura, aquí como ahí; hoy es más eficaz (???-es un decir) mandar una carta abierta a un periódico o hacer declaraciones denunciando una situación. Sin mezclar las cosas, por mucho que "The Exiles" trate también de exclusiones y malos tratos (y tuvo que venir un inglés para hacer el film que los americanos no hicieron).
En cuanto al museo: lo ideal sería que los museos ni invitasen a los cineastas a hacer piezas que no se les hubiera pasado por la cabeza hacer, si pudieran hacer películas cuando y como quisieran. Lo que no es frecuente hoy, si un cineasta es íntegro o ambicioso. Que acepten (y no creo que sea por sentirse honrados o promocionados a un nivel más "respetable") indica que la situación dista de ser ideal. Aparte, en algunos casos, cierta vanidad de la que pocos hombres (y digo hombres porque creo a las mujeres mucho menos vanidosas), y menos artistas, se resisten, y que les lleva a aceptar premios, medallas, títulos de académico... pocas veces con daño permanente.
Miguel

André Dias disse...

As frases curtas, do género aforístico mal conseguido, tendem a ser lapidárias. Mas não sou de lançar pedras a ninguém. Ainda que, mesmo depois de matizes e clarificações, de facto, me continuem a não parecer honras. Abraço.


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