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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #26 (António Guerreiro)

«A “novilíngua” de Orwell é um idioma não extinto

Quem leu a notícia de que “o trânsito nas estradas sofreu uma degradação” terá ficado a saber não que aumentaram os engarrafamentos, mas que diminuiu o volume de tráfego; e, no mesmo dia, quem leu num jornal francês que “o comércio natalício está menos agressivo do que no ano passado” percebeu que a notícia se destinava a deplorar a insuportável doçura dos Campos Elíseos em tempo de crise. A degradação do trânsito é o circular melhor; a agressividade é uma benevolência.

O que isto faz lembrar? A “novilíngua” (o “newspeak”), a língua da Oceania no livro de Orwell 1984. Com o objectivo de tornar impossível qualquer outro modo de pensamento, o Partido tinha chegado a três “slogans” perfeitos, formulados na sua língua oficial: “A guerra é a paz”, “A liberdade é a escravatura”, “A ignorância é a força”. Tendo em conta a grande lição de Orwell, pior do que não termos dinheiro para circular é sermos submetidos a uma inversão do sentido das palavras. Aí começa a mais infame e mais perigosa das espoliações. E se quisermos falar de “alienação”, uma palavra caída em desuso, temos de nos referir à operação política de expropriação da linguagem.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual
, 29.11.2008.

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