Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Advertência (Giorgio Agamben)

«Quem tenha familiaridade com a prática da investigação em ciências humanas sabe que, contrariamente à opinião comum, a reflexão sobre o método muitas vezes não precede, antes sucede a tal prática. Trata-se assim de pensamentos de algum modo últimos ou penúltimos, para discutir entre amigos e especialistas, e que só um longo hábito de investigação pode legitimar.
Os três estudos aqui reunidos contém as reflexões do autor sobre três problemas específicos de método: o conceito de paradigma, a teoria das assinaturas [segnature] e a relação entre história e arqueologia. Se estas reflexões se apresentam a cada vez como uma indagação sobre o método de um estudioso, Michel Foucault, sobre o qual o autor teve ocasião
nos últimos anos de muito aprender, isto é porque um dos princípios metodológicos não discutidos no livro que o autor deve a Walter Benjamin – é que a doutrina pode ser exposta legitimamente apenas sob a forma da interpretação. O leitor atento saberá fazer a destrinça entre o que, nos três estudos, deve ser remetido a Foucault, o que deve ser tomado em conta do autor e aquilo que vale para ambos. Contrariamente à opinião comum, de facto o método partilha com a lógica a impossibilidade de ser completamente separado do contexto no qual opera. Não existe um método válido para todos os âmbitos, tal como não existe uma lógica que possa prescindir dos seus objectos.
Segundo um outro princípio metodológico também este não discutido no livro de que o autor faz uso frequente, o elemento genuinamente filosófico em cada obra, seja uma obra de arte, de ciência ou de pensamento, é a sua capacidade de ser desenvolvida, que Feuerbach definia como Entwicklungsfähigkeit. Precisamente quando se segue um tal princípio, a diferença entre o que é devido ao autor da obra e o que é atribuído àquele que a interpreta e desenvolve torna-se tão essencial quanto difícil de aferir. O autor preferiu por isso arriscar atribuir a textos doutros o que vinha elaborando a partir deles, em vez de correr o risco inverso e apropriar-se de pensamentos ou percursos de investigação que não lhe pertenciam.
De resto, toda a investigação em ciências humanas
e portanto também a presente reflexão sobre o método deveria implicar uma cautela arqueológica, ou seja, regredir no próprio percurso até ao ponto em que algo permaneceu obscuro e não tematizado. Só um pensamento que não esconde o próprio não-dito, mas incessantemente o retoma e o desdobra pode, eventualmente, ter pretensão à originalidade.»

Giorgio Agamben, «Avvertenza», Signatura rerum. Sul metodo,
Bollati Boringhieri, Torino
, 2008, pp. 7-8.

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