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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #23 (António Guerreiro)

«Proteger os livros dos seus autores é, às vezes, urgente

Há um “book trailer” do último romance de António Lobo Antunes que é doloroso de se ver. O escritor, carregando todo o peso do mundo e torcendo-se sobre si, fala com voz lutuosa e diz: “Ninguém escreve como eu.” E daí passa a uma arte poética: “encher os livros de silêncio”; “os livros tratam todos de uma paisagem interior”; “a angústia do homem no tempo”; “a procura da natureza do homem”. Estes derrames de uma banalidade tão excessiva e tão enfática não podem, seguramente, ser interpretados em primeiro grau.

Ou o escritor representa diante de nós uma comédia ou há algo de indecifrável. Mas em nenhum caso aquele que fala assim sobre os seus livros pode ser o mesmo que os escreveu. Mas como esta dissociação é difícil de fazer, como é difícil evitar a contaminação recíproca dos dois planos, A. Lobo Antunes devia ser protegido de si mesmo, devia-se erguer um cordão sanitário entre o seu discurso público e a sua obra, entre os seus livros e o que diz sobre eles. Eu, que tenho sempre grandes hesitações quando leio os seus romances, e quando os acho maus não consigo deixar de pensar que talvez não os tenha sabido ler, gostaria de remover o obstáculo do “book trailer”.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual
, 8.11.2008.

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