Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

[Sensibilidade de sismógrafo + Socialismo da imagem = ?]

«Sabemos desde os seus filmes dos anos 60 que Godard tem uma sensibilidade de sismógrafo. Pressente agitações subterrâneas antes de elas se notarem à superfície: Made in USA, La Chinoise ou Weekend são os filmes que melhor explicam o Maio de 68, e foram feitos antes de Maio de 68. De resto, isto não é nada demais: é apenas o que ele tem como o “dever do cinema”, e faz por cumpri-lo. É curioso notar, a este propósito, a quantidade de coisas que aconteceram no espaço central de Filme Socialismo (o Mediterrâneo) depois de Godard o ter feito: a Grécia (“Hell As”) foi transformada num pária da Europa; outros países (a Espanha, a Itália, e mesmo nós, mediterrânicos por afinidade) fazem o possível para evitar que a Sra. Merkel (“na Alemanha nunca se passa nada”, dizia-se no mais godardiano dos Fassbinders, Der Amerikanische Soldat) os conduza ao mesmo destino; do “outro” lado, a Tunísia revoltou-se, o Egipto revoltou-se, a Líbia entrou em combustão e na Europa teme-se o momento em que um “líbio oprimido” se transforme num reles “imigrante”. Só em Israel e na Palestina, por onde o navio de Godard também passa, é que não aconteceu nada, o que é o mesmo que dizer que continua a acontecer tudo. “Alheado do mundo”, Godard? Só se para reconhecer o mundo já não dispensarmos a empática condução de Javier Bardem (aludimos ao tão celebrado Biutiful, cuja Barcelona também é visitada por Filme Socialismo, e não somos originais na alusão). Não veremos este ano filme mais ligado, mais “em linha”, com o mundo do que Filme Socialismo

Luís Miguel Oliveira, Público-Ípsilon, 4.3.2011.
«Há ainda uma outra forma de socialismo, que vem da montagem. É que Filme Socialismo parece alinhar e conter todas as imagens do mundo, as produzidas, as naturais e as sonhadas, as ‘puras’ e as ‘impuras’, como se, a partir daqui, tivesse nascido um equilíbrio entre elas (podia dizer-se, em jeito de provocação, uma liberdade, uma igualdade e uma fraternidade), venham essas imagens de uma câmara HD ou de um telemóvel, de uma obra-prima de cinema, de um direto da TV ou de um ‘diálogo de gatos’ do YouTube. Como se em cada imagem existisse agora a hipótese de um filme a fazer. Neste ponto, Filme Socialismo é um corte profundo (o primeiro) com História(s) do Cinema, filme matricial da última fase do trabalho de Godard. O cinema vai certamente partir daqui, deste fabuloso e profético nomadismo, para continuar o seu caminho. A sua revolução. Sem copyright, num socialismo da imagem.»

Francisco Ferreira, Expresso-Atual, 5.3.2011.

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