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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #115 (António Guerreiro)

Sobre uma geração delapidada e o vazio cultural que está a ser criado por ausência de renovação

«Não é fácil medir — mas é plausível uma conta pesada — os efeitos nefastos da situação precária, ou até indigente, em que se encontram hoje grande parte dos jovens que acabam os estudos. Aliás, já não é bem uma situação, é um estatuto. Além do drama individual, há uma devastação coletiva, uma ruína social e cultural que avança em silêncio e da qual quase ninguém fala porque os jovens também estão excluídos da parte ativa da opinião pública, aquela que Pasolini incitou os estudantes a reivindicar. O grande linguista russo Roman Jakobson escreveu nos anos 30, na sequência do suicídio de Maiakovski e da deportação de outros escritores, um texto intitulado “A Geração que Delapidou os seus Poetas”. O nosso tempo é aquele que delapidou os seus jovens. Para percebermos o alcance desta delapidação, devemos recordar a forte carga utópica que a juventude teve desde as primeiras décadas do século XX, quando se mobilizou em diversos movimentos. Mais do que um sujeito social, a juventude surgiu aí como uma categoria do espírito, o centro de onde nasce o novo, contra o filisteísmo da ‘experiência’ das gerações instaladas.

Esta lição irrecusável faz-nos ver que a questão atual da delapidação dos jovens não pode ser encarada apenas em termos sociais. O que acontece com as instituições culturais que não se renovam? O que acontece quando uma grande parte da população — precisamente aquela que não está em letargia defensiva — foi condenada à situação de pária? O que acontece à Universidade quando estão bloqueadas todas as entradas de novos professores e ela caminha, em bloco, para a reforma? Acontece, muito provavelmente, que alguns dos seus cursos e departamentos (e as Humanidades são as primeiras vítimas) vão extinguir-se, para gáudio dos governos que podem apresentar como vítima de ‘morte natural’ o que na verdade eles quiseram exterminar.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 30.10.2010.

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