Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Amplitude gestual | Gestural amplitude (O período cor-de-rosa | The pink period #1.6)


Embora a descoberta de uma ambiguidade livre — cujo sentido propriamente cinematográfico tem de ser entendido como extra-linguístico e extra-moral — seja o movimento que nos parece abranger melhor todo o cinema moderno e sintetizar o conjunto das suas façanhas, é mais precisamente no campo tardio deste cinema que se encontrará uma inaudita amplitude gestual.
Em TERRA EM TRANSE (1967) de Glauber Rocha, dois amantes rodeiam-se de pé, abraçam-se, beijam-se e, enquanto a câmara os contorna, sussurram um ao outro e ela declama um poema dele em off, acompanhados pela música de Villa-Lobos. Trata-se de um momento muito ambicioso e de raro conseguimento, dado que a declamação de poemas em cinema tem tendência a ser bastante penosa ou a deixar escapar por completo a própria apreensão do poema dito. Neste caso, pelo contrário, é extremamente comovente, e certamente que um particular desacordo entre os elementos, os corpos e as vozes, para isso contribui.
Esta amplitude gestual liberta, não naturalista, permitirá várias encarnações aos corpos, possessões por uma vez explícitas, expondo a sua natureza cinematográfica e não remetendo para entidades imaginárias. Permitirá também, em casos extremos, como no massacre com que termina LANCELOT DU LAC (1974) de Robert Bresson, dar a imagem mais terrível e desoladora — sobretudo porque isenta de pathos — da separação da vida nos corpos.

[continua]

Although the discovery of a liberated ambiguity — whose cinematic sense must be properly conceived as extra-linguistic and extra-moral — seems the movement that encompasses the best of all modern cinema and synthesises the gathering of its feats, it is more precisely in the later field of this cinema that one can find a new gestural amplitude.
In Glauber Rocha’s TERRA EM TRANSE / ENTRANCED EARTH (1967), two lovers round up, embrace and kiss each other, and, while the camera goes around them, they whisper and she recites his poem in off, accompanied by the music of Villa-Lobos. It is a very ambitious moment, one of rare achievement, since the recitation of poems in films tends to be rather painful or to completely miss the seizing of the poem itself. In this case, on the contrary, it is extremely moving, and surely the particular disagreement between the elements, bodies and voices, plays a major part.
This liberated gestural amplitude, non-naturalistic, will allow several incarnations of the bodies, possessions for once explicit, exposing their cinematic nature and non-consigning imaginary entities. It will allow also, in extreme cases such as the massacre that ends Robert Bresson’s LANCELOT DU LAC (1974), to give the most terrible and desolate image — because absent of pathos — of the separation of life in bodies.

[to be continued]

Sem comentários:


Arquivo / Archive