Ao pé da letra #84 (António Guerreiro)
Sobre a ética, a polícia e a política | |
«As “comissões de ética” da Assembleia da República são um exemplo flagrante de que a ética se tornou uma ideologia — mas uma ideologia que trabalha a favor da negação da política. Esta vigilância exercida em nome de uma ética no comportamento dos políticos pode ter a melhor das intenções, apresentar-se com as mais virtuosas roupagens, mas não deixa de ser a manifestação eloquente de um estado de coisas em que a regra (quase um ideal) é a despolitização. De tal modo que até a Assembleia da República, que deveria ser o lugar por excelência da disputa política, se dotou dos seus dispositivos de regulação ética e produtores de consenso. | Destinados a detectar desvios éticos, eles concorrem para a anulação do pensamento político. Há uma dicotomia moderna — o par polícia/política — sem a qual dificilmente entendemos o que se passa hoje. O que se apresenta sob o nome de política releva antes do domínio da polícia. E a referência à ética surge com tanta frequência porque, na verdade, são as acções próprias da polícia que ocuparam o lugar da política.» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 27.2.2010. |
[cf. «Polícia e política» (Jacques Rancière).]
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