Sobre a contemplação
«A sensação é sensação contraída, tornada qualidade, variedade. É por isso que o cérebro-sujeito, aqui, é dito alma ou força, uma vez que só a alma conserva contraindo o que a matéria dissipa, ou irradia, faz avançar, reflecte, refracta ou converte. Por isso procuramos em vão a sensação, enquanto ficarmos pelas reacções e pelas excitações que elas prolongam, pelas acções e percepções que elas reflectem: é que a alma (ou antes, a força), como diria Leibniz, não faz nem age, mas está apenas presente, conserva; a contracção não é uma acção, mas uma paixão pura, uma contemplação que conserva o precedente no seguinte. (...) A sensação é contemplação pura, porque é pela contemplação que se contrai, contemplando-se a si própria à medida que se contemplam os elementos de onde se procede. Contemplar é criar, mistério da criação passiva, sensação. (...)
O vitalismo sempre teve duas interpretações possíveis: a de uma Ideia que age, mas que não é, que age portanto apenas do ponto de vista de um conhecimento cerebral exterior (...); ou a de uma força que é, mas que não age, que é pois um puro Sentir interno (...). Se a segunda interpretação nos parece impor-se, é porque a contracção que conserva está sempre desligada em relação à acção ou mesmo ao movimento, e apresenta-se como uma pura contemplação sem conhecimento. Isso vê-se até no domínio cerebral por excelência da aprendizagem ou da formação de hábitos: ainda que tudo pareça passar-se em conexões e integrações progressivas activas, de uma experiência para outra, é necessário, como mostrava Hume, que as experiências ou os casos, as ocorrências, se contraiam numa “imaginação” contemplante, enquanto permaneçam distintos em relação às acções, tal como em relação ao conhecimento; e mesmo quando se é um rato, é por contemplação que se “contrai” um hábito. Mais uma vez é necessário descobrir, sob o ruído das acções, essas sensações criadoras interiores ou essas contemplações silenciosas que testemunham a favor de um cérebro.»
Gilles Deleuze e Félix Guattari, O que é a filosofia?, trad. Margarida Barahona e António Guerreiro, Presença, Lisboa, pp. 185-187
O vitalismo sempre teve duas interpretações possíveis: a de uma Ideia que age, mas que não é, que age portanto apenas do ponto de vista de um conhecimento cerebral exterior (...); ou a de uma força que é, mas que não age, que é pois um puro Sentir interno (...). Se a segunda interpretação nos parece impor-se, é porque a contracção que conserva está sempre desligada em relação à acção ou mesmo ao movimento, e apresenta-se como uma pura contemplação sem conhecimento. Isso vê-se até no domínio cerebral por excelência da aprendizagem ou da formação de hábitos: ainda que tudo pareça passar-se em conexões e integrações progressivas activas, de uma experiência para outra, é necessário, como mostrava Hume, que as experiências ou os casos, as ocorrências, se contraiam numa “imaginação” contemplante, enquanto permaneçam distintos em relação às acções, tal como em relação ao conhecimento; e mesmo quando se é um rato, é por contemplação que se “contrai” um hábito. Mais uma vez é necessário descobrir, sob o ruído das acções, essas sensações criadoras interiores ou essas contemplações silenciosas que testemunham a favor de um cérebro.»
Gilles Deleuze e Félix Guattari, O que é a filosofia?, trad. Margarida Barahona e António Guerreiro, Presença, Lisboa, pp. 185-187
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