Favela
«Uma ideia pela qual tenho apreço é a de que os refugiados, e fenómenos similares, constituem hoje uma espécie de laboratório de poder, que serve para ver até que ponto uma situação pode ser levada ao extremo. (...) Quando a Segurança se torna a categoria política central quase única, então tudo se modifica, porque não nos devemos esquecer que Segurança não significa a prevenção da desordem. O paradigma securitário foi inventado, ao invés, para gerir a desordem. (...) Toda esta situação, no momento em que a Segurança se torna o paradigma central, são modos ou laboratórios para ver até quando e até que ponto pode uma determinada situação ser levada ao extremo. De certa maneira, é o seguimento da ideia de Goebbels de que “a política é a arte de tornar possível o impossível”. Os campos são laboratórios para ver até que ponto se pode levar uma situação extrema. Mas, se assim é, então o problema não é, por exemplo no que diz respeito ao refugiado, o como podemos tentar inscrevê-los ou integrá-los, parte deles ou todos, na sociedade. A situação é tão extrema que este já não é um problema interessante. Por isso, parece-me que um modo interessante de ver este fenómeno seria o de ver também se é possível considerá-los como contra-laboratórios. (...) Estive no Brasil muito recentemente e acontece que visitei as favelas no Rio de Janeiro. São um fenómeno similar. Claro que não são o mesmo fenómeno que os refugiados. Mas há também lá algo de similar. E as favelas estão na cidade, não estão separadas. Portanto, são um fenómeno diferente. As favelas estão habitualmente nas zonas mais bonitas das cidades, nas colinas. Então, eu estava com a pessoa que me fazia de guia à favela, e tive uma súbita e imediata impressão. Tínhamos visto os horríveis edifícios modernos. No Rio de Janeiro, a arquitectura moderna é mesmo muito pobre, horrível. Grandes arranha-céus (...) Então, eu disse-lhe: “ouve, o problema não está aqui [na favela], está ali”... Espero que compreendam a que nível estou a falar. A favela é um lugar interessante, porque não existe propriedade lá, e claro, não se paga renda, e não existe polícia. É uma cidade, porque uma favela como a Rocinha no Rio tem 400.000 habitantes. Logo, é uma cidade sem direito de propriedade, em que não se paga renda, e onde não existe polícia. É muito interessante. É um modelo da cidade do futuro... Estou a brincar... Assim, a questão que queria colocar era a de se conseguiríamos ver estes fenómenos também como contra-laboratórios?
(...) tratando-se de um laboratório, estará disposto a especular, muito sucintamente, sobre como se transformaria em acção o conhecimento aí reunido? [interpelação de um participante]
Tenho algumas objecções acerca da distinção entre conhecimento e acção ..., porque o que se tem quando se lá está não é, na verdade, uma experiência cognitiva, nem apenas uma praxis, movemo-nos numa espécie de indistinção, portanto... Tenho sempre a tendência para achar que esse modo de colocar o problema não obtém respostas e não é, talvez, o verdadeiro.»
(...) tratando-se de um laboratório, estará disposto a especular, muito sucintamente, sobre como se transformaria em acção o conhecimento aí reunido? [interpelação de um participante]
Tenho algumas objecções acerca da distinção entre conhecimento e acção ..., porque o que se tem quando se lá está não é, na verdade, uma experiência cognitiva, nem apenas uma praxis, movemo-nos numa espécie de indistinção, portanto... Tenho sempre a tendência para achar que esse modo de colocar o problema não obtém respostas e não é, talvez, o verdadeiro.»
Giorgio Agamben, transcrição parcial (0:44:25–0:50:03 e 1:33:25–1:34:47) do vídeo da conferência de Zygmunt Baumann, in «Archipelago of Exception Conference», 11 de Novembro, 2005, CCCB Barcelona
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