Ao pé da letra #93 (António Guerreiro)
Sobre especulação e tragédia filosófico-financeira | |
«Nas últimas semanas, uma ‘metáfora absoluta’ – a tragédia grega – fez uma caminhada triunfal nos media. Ela seguiu a par de outra que com ela compete em títulos de nobreza na história do pensamento ocidental: a metáfora da especulação. O capitalismo é um sistema sem pretensões filosóficas, mas não se pode subtrair à linguagem da nossa racionalidade. Desta vez, a conjunção das duas metáforas parece obra do destino, não ditado pelos deuses mas pelas ideias trans-históricas. Mal sabem os oráculos desta ideia ‘trágica’ novamente polarizada em solo grego que desde Hölderlin se foi explicitando uma interpretação da tragédia como origem daquilo a que se chamou, depois de Kant, o pensamento especulativo. | Isto é: especulação e tragédia têm a mesma matriz, algo que a Grécia (e todos nós) fica a saber pela segunda vez: a primeira, por via do idealismo especulativo; a segunda, por via da especulação financeira. Talvez fosse mais correcto admitir, lembrando Marx, que esta metafórica tragédia se dá sob a forma de farsa, mas não advém daí nada que tranquilize porque é sabido que a repetição em farsa pode ser mais terrificante do que a tragédia inicial.» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 1.5.2010. |
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