Ao pé da letra #80 (António Guerreiro) «Sobre um “povo” como espécie em vias de extinção | |
Comentando os últimos dados da taxa de fertilidade, João César da Neves proclamava, esta semana, no DN: “Somos um povo em vias de extinção.” A que entidade se refere o cronista? Que “povo” é este que falta às regras da procriação e se extingue sem glória? Não é o povo como sujeito político e soberano. Não sendo este corpo político unitário (que, de resto, não se reproduz nem se extingue, pode é ser aniquilado no seu direito), também não é um outra realidade que a palavra “povo” designa: a arraia-miúda, o menu peuple, a classe social (que é, dizem os sociólogos, cada vez mais numerosa). | E também não é a entidade com a qual identificamos uma forma de enraizamento cultural. O “povo” de J.C.N. é um tipo singular (“em vias de extinção”, como dizemos das espécies). E tal coisa existe? Se entendermos que sim, temos de considerar que alguém que se naturalize português continua a não fazer parte da espécie; daí a exortação de J.C.N. à procriação. A espécie só existe como construção, figuração mítica poderosa que, na melhor das hipóteses, é Kitsch e, na pior, serve fins sinistros. Quem não ouviu falar do Volk alemão?» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 30.1.2010. |
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