Ao pé da letra #78 (António Guerreiro) «Sobre as citações que têm destaque nos jornais | |
O Dictionnaire des idées reçues, de Flaubert, tem hoje um equivalente nas frases do dia e da semana que quase todos os jornais seleccionam. Tais secções são um verdadeiro arquivo da bêtise, da estupidez, que Flaubert definiu como algo sempre monumental. Logo, merecedor de ser citado. O que encontramos invariavelmente nessas secções são frases que têm o esplendor dos lugares-comuns e o brilho especial de tudo o que é ostensivamente banal. Não é que não possam ser oportunas (para já não falar do parentesco entre a estupidez e a inteligência, que Musil analisou), mas trazem sempre consigo a dureza assertiva e a convicção resistente a que Flaubert se referiu quando disse que a estupidez consiste no desejo de concluir. | Nada onde se vislumbre a complexidade de um pensamento ou o trabalho de um conceito cabe nessas rubricas de citações, isto é, de frases (do dia ou da semana). É que a unidade linguística própria da estupidez é a frase e a sua modalidade essencial é a da repetição vazia que se aloja na linguagem. Marx percebeu isso muito bem quando disse que a estupidez “é o direito consuetudinário de uma opinião. Na língua, a estupidez reside na frase”.» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 16.1.2010. |
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