Ainda não começámos a pensar
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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #17 (António Guerreiro)

«A cotação do humanismo no mercado das ideias

Baudrillard, que nos seus tempos de glória deu nome a um modo de pensamento, gostava de usar uma palavra que transformou num conceito: “hipertelia”. Segundo ele, hipertélico – aquilo que vai para além dos seus próprios fins e se anula na sua funcionalidade – é o regime actual de manifestação dos acontecimentos e dos objectos, na sua “estratégia fatal”. O que está bem patente neste “fait-divers” que ele relatava: uma empresa americana, tendo de apresentar provas de uma contabilidade regular, entupiu a secção de finanças local com uma montanha de papéis que transportou em dois camiões.
Agora, que a crise dos mercados financeiros começou a suscitar um discurso de ordem moral (por todo o lado ouvimos falar de ganância, avidez, falta de escrúpulos), seria útil recuperar o poder analítico e interpretativo desse quase-conceito, em vez de continuarmos a procurar uma “face humana”: depois da “face humana do comunismo”, chegou a vez de reclamar a “face humana do capitalismo financeiro”. Com a noção de hipertelia, Baudrillard quis-nos libertar deste humanismo inerte que, no mercado das ideias, é o produto especulativo mais tóxico que existe.»
António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 27.9.2008.

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