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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #189 (António Guerreiro): Exercícios de medialogia

Breve e modesto contributo, à maneira flaubertiana, para o medialeto em uso. ADN: sigla que serve para biologizar e essencializar (“está no ADN da nossa empresa...”), o que outrora era exclusivo do pensamento da Direita; Álvaro Santos Pereira: sempre Álvaro; Ativos: tudo o que pode ser convertido em valor económico e financeiro, até o património cultural, que era dito, numa definição clássica, “sem preço”; Balanço: sempre provisório; Bom tempo: sempre sol, sem frio, mesmo que nem uma erva medre; Competitivo: é a virtude das virtudes, em época de darwinismo social e económico, comparada com a qual o espírito olímpico é uma mariquice; Contextualizar: operação jornalístico-didática de alcance filosófico-narrativo que, embora esquecida do que é um texto, não esquece que tudo tem uma causa e uma circunstância; Disparar: versão popular da teoria das catástrofes, designa um efeito súbito e inesperado; nesta aceção o verbo tem um aspeto reflexo: ninguém dispara, as coisas disparam-se;  

Em alta/Em baixa: ao contrário do revisionismo histórico, que revê e usa o passado, o revisionismo das entidades que regulam e quantificam a vida económica e financeira revê o que tinha sido anunciado como futuro; Em linha com: tradução literal de “in line with something”, tem a vantagem de aludir simultaneamente ao imperativo da conformidade e da norma (“comporta-te na linha”) e à potência do online; Empreendedorismo: “ismo” que, à semelhança do futurismo, do dadaísmo, do expressionismo e outros “ismos” designa a única vanguarda do nosso tempo, a vanguarda depois da época das vanguardas; Figura: sempre emblemática; Ícone: o mesmo que “ídolo”, mas com a vantagem (ignorada, aliás, pelos iconófilos falantes) de recuperar um sentido religioso em matéria tão profana; Leitor: sempre voraz e compulsivo, isto é, estúpido como um ogre; Marcelo Rebelo de Sousa: sempre professor.

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 28.4.2012.

1 comentário:

Anónimo disse...

brilhante como sempre. se não fosse deprimente podia ser cómico.


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