Ao pé da letra #180 (António Guerreiro): Modernos e pós-modernos
A palavra “pós-moderno” – e seus derivados – teve a sua década de glória no final do século passado, mas definhou e, na bolsa das ideias e dos produtos intelectuais, tem hoje um valor negativo. Já só é utilizada para designar qualquer coisa pouco respeitável. Pode ser que ela tenha culpas por tal sorte, mas em sua defesa importa dizer que muitos dos ataques de que é vítima são equivocados. Ainda há pouco tempo, um cronista deste jornal referia-se a W. G. Sebald como se os seus livros, pretensamente do lado da “ilegibilidade” e da “morte do romance”, se identificassem com características da pós-modernidade. Ora, tais características (admitindo que a “ilegibilidade” caracteriza alguma coisa) são eminentemente modernas. Verifique-se então o seguinte: sempre que alguém utiliza a palavra “pós-moderno” para desdenhar, para criticar ou pura e simplesmente para usar um epíteto de sentido negativo, na verdade está, na maior parte dos casos, a referir-se involuntariamente ao modernismo. Sobretudo quando estão em causa objetos artísticos e literários. | Porque é que tal acontece? Porque é de bom tom pôr o pós-modernismo à distância (isto é, aquilo com que ele está conotado), mas ninguém ousa declarar-se antimoderno. Seria um ultraje, uma anacronia. E, no entanto, há hoje, em muitos domínios (e o da literatura é um deles, talvez o mais evidente no campo das artes), o regresso a valores estéticos e a formas de pensar que, se não são pré-modernos, são pelo menos antimodernos. E isto não pode deixar de nos fazer pensar que as experiências no domínio do pensamento e das artes nas primeiras décadas do século passado continuam a oferecer tanta resistência como na sua época. São, de certo modo, inassimiláveis, escapam à homogeneização, nunca foram integradas nos hábitos. Em suma: Joyce nunca existiu. António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 25.2.2012. |
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