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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #178 (António Guerreiro): Crime e punição

Ficámos a saber, esta semana, que os clientes do Deutsche Bank podem apostar na morte de pessoas da terceira idade, de tal modo que a rentabilidade do investimento é tanto maior quanto mais prematura for a morte. Por outro lado, um estudo do Instituto de Ciências Sociais agora divulgado mostra que os jovens portugueses têm um baixo índice de solidariedade para com os mais pobres. Estas duas notícias mostram que está em curso um sistema de avaliação que identifica certos grupos de indivíduos com o desperdício, o puro gasto sem contrapartida. A categoria dos criminosos gastadores é cada vez mais vasta e já dificilmente alguém escapa de ser apontado, indiciado, através de diversos mecanismos, como um indivíduo que está a mais: um excedentário, um supranumerário. Por isso, a criminologia já não é só uma disciplina auxiliar do aparelho judicial: tornou-se uma figura da ordem social e os governos têm vindo a desenvolver mecanismos de controlo que se inscrevem neste paradigma criminológico.  
Ao populismo que consiste em explorar a ideia de que os políticos são todos uns criminosos, corresponde, noutro plano, a figura do indivíduo que é um gasto potencial a reduzir e, por isso, representado – também pela comunidade – como suspeito. Tal como a medicina moderna declarou que qualquer pessoa é um doente que se ignora enquanto tal, o poder político atual caminha para a declaração de que todo indivíduo, mesmo o mais honesto, é um criminoso gastador de tempo (roubado ao tempo de trabalho) e de dinheiro público. Nestas circunstâncias, as exigências dos serviços sociais de saúde, de todos os serviços públicos e do próprio sistema económico alargam-se fatalmente a domínios que não podem ser aferidos por uma contabilidade: aqueles que têm que ver com as liberdades públicas e políticas. Sabemos bem que o espaço de pensamento crítico é sempre o primeiro gasto inútil a suprimir.  

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 11.2.2012.

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