Ao pé da letra #177 (António Guerreiro): Sismografias e sintomas
Maria do Rosário Pedreira, sismógrafo apuradíssimo que deteta a grande distância os mínimos abalos tectónicos provocados pela erupção do jovem talento literário, escreveu esta semana no seu blogue (“Horas Extraordinárias”) um texto onde formula em voz alta e com o zelo profissional de uma editora à altura do seu tempo uma exigência que foi ganhando forma desde há muito, mas que por uma última reserva permanecia como um não-dito. Diz a editora, em registro franco, que, sendo hoje de sete semanas, nas livrarias, a longevidade de um livro (excetuando os raros sobreviventes), a crítica literária nos jornais é incapaz de acompanhar esta rotação veloz e, por isso, torna-se um esforço inútil, conversa de afásicos para surdos. A coisa pode mesmo ser tão anedótica como uma tartaruga a falar com uma lebre em corrida: “Já vi críticas que saíram um ano depois da publicação dos livros a que diziam respeito. Não serviram a quem as escreveu nem a quem publicou o livro. Talvez sejam iguais ao silêncio, enfim.” | Nesta visão límpida, a crítica ou serve para vender livros ou não serve para nada; ou é um derivado da publicidade ou sucumbe no silêncio inócuo. E os críticos ou são agentes de difusão ou então não têm maneira de justificar o seu trabalho. Estas verdades nunca tinham sido pronunciadas com tanta clareza porque, apesar dos desvios e contingências, permanecia como princípio (e regra de pundonor) a necessidade de a crítica preservar idealmente a autonomia em relação ao mercado e responder a uma exigência de leitura dos textos e não aos modos e tempos de circulação de uma mercadoria. Este novo episteme crítico fundado espontaneamente por Maria do Rosário Pedreira baseado no critério da rotação das novidades, já não é obra de um apurado sismógrafo, mas manifestação de um eloquente sintoma. António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 4.2.2012. |
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