Ao pé da letra #30 (António Guerreiro) «Até agora, crise e crítica andaram sempre juntos A grandiosa encenação que pôs a “crise” no centro do palco internacional parece um “dramma giocoso”. Crise é o estado permanente em que sempre vivemos, desde a modernidade. Nas primeiras décadas do século XX, não houve palavra tão declinada, e o tom foi de pessimismo cultural. Nada que estivesse abaixo da tragédia satisfazia os diagnósticos. Crise é o que a cultura ocidental arrasta consigo, a partir do momento em que se deu conta de que “a nossa hora é a época do declínio”. | A crise é consubstancial a uma cultura crítica (veja-se a etimologia comum das duas palavras), como mostrou um famoso historiador alemão – Koselleck – ao estudar a “patogénese do mundo burguês”. Crise, à altura do seu nome, é o facto do seu horizonte se ter tornado meramente económico. Enquanto que a crise da cultura, da religião, etc. significou sempre uma desconfiança no curso das coisas, a crise económica, tal como ela é proclamada, serve para nos dizer que tudo tem de ser restaurado, que nada pode ser começado de novo, que a uma total falta de ilusões devemos responder com as ilusões de uma temporalização da história cuja medida já é o trimestre. É sobre esta crise do tempo que importa reflectir.» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 3.1.2009. |
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