Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Crazy Horse

Agora que finalmente alguns vão poder assistir a um documentário de Frederick Wiseman simultaneamente com honras de abertura de festival e saída em sala – naquilo a que se poderia chamar, ironicamente, a sua “institucionalização” final –, ainda que sob mal disfarçado apelo ao “luxuoso e sensual” (“o que interessa aqui são as nádegas”, escreveu alguém, num momento de inspiração) – talvez seja útil, ainda que a despropósito, fazer notar algo relativamente óbvio. Ao invés do que esta promoção soft-core sugere, não partilha antes a grande obra deste cineasta americano algumas características não negligenciáveis com a pornografia hard-core? Porventura, não tanto – ou não apenas – no sentido geral de a sua perscrutação do social em open spread ser ela própria obscena... (A crueza dos seus filmes com a vida demasiado cozinhada que levamos, nos seus melhores momentos, ao nível exaustivo do detalhe e decomposição que oferecem, aparece, na verdade, mais como uma comovedora comédia romântica, polvilhada pelos inúmeros arrufos a cada encontrão entre as instituições estatais e privadas e os cidadãos vulgares – homens infames –, suas personagens.) Ainda assim, uma questão (cujas consequências necessitam resposta) permanece: onde senão num filme de Wiseman – e excetuando filmes pornográficos de um subgénero relativamente raro – se podem encontrar – trazidos à visibilidade e impondo uma nova inteligibilidade – gestos como o de uma mulher a manusear o pénis de um cavalo?
Now that some will finally be able to watch a Frederick Wiseman’s documentary simultaneously at a grandiose festival’s opening session and coming to a screen near us—in what one could call, ironically, its final ‘institutionalisation’—, even if under unashamed appeal to the ‘luxuriant and sensual’ (‘what matters here are the buttocks’, someone particularly inspired wrote), it might be useful—although inappropriate—to notice something rather obvious. Contrary to what that soft-core promotion suggests, doesn’t the great work of this American cineaste share instead some rather non-negligible characteristics with hard-core pornography? Maybe not so much—or not only—in the general sense of its scrutinizing of the open spread social, in itself, being obscene… (The crudeness of his films with the overcooked life we live, in its best moments, actually becomes more like a moving romantic comedy, splashed with numerous splats emerging from the encounters between state and private institutions and—infamous men—ordinary citizens, their characters.) Nonetheless, the question—whose consequences have to be accounted for—remains: Where other than in a Wiseman film—and excepting pornographic movies of a relatively rare subgenre—are we to find—brought to visibility and imposing a new intelligibility—gestures like those of a woman handling a horse’s penis?

P.S.: A França e o vídeo são como a kriptonite de Wiseman.
P.S.: France and video are like Wiseman’s kryptonite.

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