Ao pé da letra #153 (António Guerreiro): A multidão sonâmbula
“Ele foi para a rua, viu o que os outros estavam a fazer e juntou-se a eles. Cometeu um sério erro e reconhece-o”: assim disse a mãe de um miúdo de treze anos apanhado pela polícia a saquear lojas nas ruas de Londres. Sobre o que aí se passou dividiram-se as interpretações entre os que nem querem ouvir falar de explicações sociológicas (nem de “sociologia”, tout court, porque seguem à letra a boutade de Thatcher de que a sociedade não existe) e os que viram logo a revolta social e a luta de classes a desaguar nos templos londrinos do consumo. Ora, o que se passou foi um facto social, mas para compreendê-lo temos de recorrer à “psicologia social” de um Gabriel Tarde. Contemporâneo do nascimento da grande metrópole moderna e do fenómeno das multidões, Tarde definiu em 1884 a sociedade como “uma coleção de seres que se imitam uns aos outros”. À questão de saber o que é que está na base deste fenómeno de imitação de um indivíduo por outro e depois por uma multidão, responde Tarde: esse fenómeno releva da sugestão, que é um forma de hipnotismo: o social é um estado hipnótico. /¶ | Não ter senão ideias sugeridas e julgar que elas são espontâneas – eis a ilusão do sonâmbulo assim como do homem social. Segundo Tarde, é a imitação que leva à propagação dos comportamentos sociais. E a cidade é o domínio próprio e ilimitado do social: numa grande metrópole nada nem ninguém é insociável, dirá mais tarde Durkheim. Tarde explicou assim como se formavam as multidões e como estas apresentam algo de animal, sofrem de alucinações e de ausência absoluta de moderação e de tolerância. As multidões, disse este sociólogo francês, não são apenas crédulas, são loucas. Lendo os testemunhos de muitos jovens saqueadores, sabendo que filhos de boas famílias seguiram a multidão delinquente, percebemos que é preciso reler a definição de sociedade de Gabriel Tarde. António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 20.8.2011. |
Sem comentários:
Enviar um comentário