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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #151 (António Guerreiro): Os professores de bancada

Uma breve passagem — durante três anos — pelo ensino básico e secundário, como professor, não me dá autoridade para falar em nome da experiência, mas permite-me, ainda assim, perceber quão irritante é ouvir as pessoas sem qualquer ligação à escola e ao ensino fazerem profundos diagnósticos do seu estado e terem certezas sobre o tratamento a administrar. Neste exercício de demonstração de ignorância e ingenuidade, há uma série de lugares-comuns que se cristalizaram num vocabulário destituído de toda a capacidade de descrição e que já não significa nada. Por exemplo, “facilitismo” e “eduquês”. Algo relacionado com o que estas duas palavras começaram existiu certamente e ainda deve existir, mas nenhum problema elas estão hoje em condições de identificar. Mais não seja porque foram submetidas a uma profunda erosão e passaram a fazer parte de um idioma vazio. São como palavras de ordem pronunciadas para simplificar. 

Vejamos um exemplo: quando hoje se deplora — muito legitimamente — a retirada de Camilo Castelo Branco dos programas do secundário, não percebemos o fundo do problema se não verificarmos o seguinte: Camilo não está apenas ausente das escolas, está ausente da edição (alguns títulos avulsos, publicados ao sabor das circunstâncias, não alteram o panorama) e, por conseguinte, ausente das livrarias. Da vastíssima obra de Camilo não existe uma edição crítica. É certo que a escola deve ser impermeável a estas circunstâncias e, provavelmente, a retirada de Camilo significa mesmo uma perniciosa vontade de pôr a literatura à distância. Mas isso não invalida que tal expulsão só seja compreensível quando integrada num contexto mais geral. Como fazer da escola um território onde não entra o mundo profano, se o mundo profano cresce, cresce, como o deserto de Nietzsche?

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 6.8.2011.

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