Ao pé da letra #152 (António Guerreiro): Governar com estilo
A partir do momento em que o pacto que liga os partidos aos cidadãos deixou de se basear nos antigos critérios de representação, a questão do estilo ganhou enorme importância. Cada governo que entra em funções conquista a sua autoridade através de um estilo, marcando assim a diferença em relação ao estilo do governo anterior. Um corte bem saliente torna-se necessário e nem sequer um grande treino, porque basta seguir intuitivamente pelo espaço de respiração que se abre, fugindo ao sufoco a que fôramos submetidos. Assim é porque cada governo caminha para a exaustão do seu estilo, até chegar o momento em que este passa a ser uma espécie de mímica com o seu código elementar. Atinge-se então o triunfo do vazio: os traços do estilo convertem-se em tiques, e os cidadãos, incomodados, começam a dizer: “Já não posso ouvi-los.” Tem sido assim com os governos anteriores e assim será certamente com este. /¶ | A noção de estilo é vaga e maleável, por mais que façamos apelo aos tratados clássicos. Mas só usando de muito rigor é que chamamos estilo àquilo que, no discurso e no comportamento dos políticos, é definido por uma intenção e não por uma necessidade. Ao contrário do estilo na literatura e na arte, o estilo dos governantes é uma mera questão de técnica, de escolha tática, e não de compromisso autêntico. Por isso – porque não é a transformação formal de uma verdade – é que se esgota tão depressa e entra na lógica da caricatura e do exacerbamento. É um mecanismo cego, exibicionista e sem consciência de si. Curioso é verificar que são cada vez mais breves os ciclos de afirmação e esgotamento do estilo. Nem é necessária muita atenção crítica para verificar que o estilo do atual governo já começa a ficar saturado dessa infralinguagem a que chamamos tiques. E ainda nem tivemos tempo de esquecer os automatismos exasperados do estilo do governo anterior. António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 13.8.2011. |
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