Ainda não começámos a pensar
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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #136 (António Guerreiro)

Flaubert formulou uma vez a sua convicção quanto às relações entre editores e escritores: “Um editor explora-vos, mas não tem o direito de vos apreciações”. Para Flaubert, a defesa de uma radical autonomia da literatura e da arte implicava que o editor ficasse remetido ao seu papel de publisher e renunciasse às veleidades de editor literário (editor). Essa mesma conquista de autonomia implicava que o mercado do livro deveria ser uma espécie de mundo económico às avessas. E os grandes editores eram aqueles que mais sabiam permanecer escondidos. Em Itália, um dos fundadores da Adelphi, Roberto Bazlen (1902-1965), tornou-se pela sua forma de retirada uma figura mítica da edição. Não seria possível que as regras continuassem hoje a ser as mesmas (porque a autonomia deixou de ser uma exigência e porque o mercado dos bens simbólicos, como é o livro, já pouco se distingue do mercado dos bens reais), mas um dos aspectos mais conspícuos das transformações da edição em Portugal é o lugar espetacular conquistado por alguns editores, nos últimos anos.

Não se trata já do editor que acolhe, seleciona e cria um catálogo de prestígio, mas aquele que inventa, produz, difunde e especula na bolsa dos valores. Esta superstrutura do mundo literário tornou-se muito visível e facilmente categorizável em tipologias. Por exemplo, a tipologia do mandarinato. Neste movimento irreversível, os autores começam a ter o mesmo destino de outras classes profissionais, tais como os professores e os jornalistas, que tiveram um passado glorioso de autonomia. Esse destino é o da proletarização. De certo modo, todo o escritor está sob a ameaça de se tornar um ghost writer, que trabalha ao serviço de outrem (ainda que essa alteridade seja o seu nome próprio) e de uma instituição que já não é a literatura tal como Flaubert a entendia.

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 22.4.2011.

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