Ao pé da letra #92 (António Guerreiro)
Sobre um espírito islandês comediante e filosófico | |
«Um jornalista do Le Monde retido na Islândia por causa das cinzas do vulcão, aproveitou para fazer uma reportagem sobre a reacção dos islandeses ao que se estava a passar. E estes, ao contrário do resto do mundo, mostravam-se bem dispostos, irónicos, e às vezes eufóricos. Um deles manifestava assim o seu gozo: “Tenho vindo a implorar, o mais perto possível da cratera, para o vulcão acalmar. Mas ele não responde aos meus apelos e continua a lançar cinzas. A última vez que tínhamos disseminado matéria tóxica sobre a Europa eram os nossos produtos financeiros.” Este islandês parece ter aprendido com Marx que tudo o que é sólido se dissolve no ar. | Mas também leu em Heidegger que a Técnica é o nosso Destino: daí a ironia e o orgulho com que exibia o facto de pertencer à terra de onde emergiu, de repente, algo que não é calculável nem manipulável e provocou uma espécie de mobilização planetária. Outro islandês dava um exemplo de pragmatismo: “Se pudéssemos aproveitar a energia que o vulcão liberta, saíamos rapidamente da bancarrota”. Este é o islandês que dá razão a Spengler: “Não podemos olhar uma cascata sem a transformar mentalmente em energia eléctrica”.» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 24.4.2010. |
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