Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias



Nova Escola de Berlim
Um cinema do mal-estar

A Nova Escola de Berlim é um movimento cinematográfico contemporâneo de invulgar importância. Espécie de anti-Dogma, por não ter quaisquer regras definidas, e também chamada de Nouvelle Vague alemã, foi designada como tal em 2001 por dois críticos que tentavam compreender o impacto conjunto dos realizadores Angela Schanelec, Thomas Arslan e Christian Petzold, devido ao facto destes terem estudado (com Harmut Bitomsky e Harun Farocki) na dffb, uma academia independente de cinema em Berlim. Esta renovação artística do cinema alemão começou efectivamente a fazer-se sentir quando, ao gesto cinematográfico original e contínuo dos primeiros, autores com cinco ou mais longas-metragens, outros cineastas mais novos, num cúmplice movimento de aproximação, a eles se associaram e os filmes de ambos começaram a chegar aos grandes festivais internacionais. De entre estes, saliência neste programa para Valeska Grisebach, com o seu lindíssimo «filme de amor», SEHNSUCHT, filmado depois de extensa investigação, com actores amadores/não-actores que acrescentam rostos novos, mais comuns e de maior generosidade, ao cinema. Outro jovem e talentoso realizador é Ulrich Köhler, com o seu sarcasmo implacável mas contido em BUNGALOW.


A presença de Christian Petzold em Lisboa é um dos destaques. Este realizador apresentará dois dos seus filmes: GESPENSTER, que possui um dos finais mais terríveis da história do cinema; e WOLFSBURG, que antecipa em muito o mais recente YELLA (impossível de integrar no festival, mas cuja estreia pela Atalanta se espera para breve). Também a descoberta de Angela Schanelec, autora tão singular a merecer uma retrospectiva integral, é de vital importância. Veremos os seus filmes mais recentes: MARSEILLE, que possui uma estrutura narrativa absolutamente invulgar e audaz; e NACHMITTAG, uma adaptação muito livre d’«A Gaivota» de Tchékhov, cruel retrato de família e de pessoas aprisionadas em si próprias. De Thomas Arslan poderemos ver FERIEN, igualmente um “jeu de massacre” familiar de ressonâncias bergmanianas.
Obras claras e fluidas, os filmes da Nova Escola de Berlim solicitam por vezes um envolvimento emocional extremo. Tratam-se de realizadores que escrevem os seus próprios argumentos, o que contribuirá talvez para uma unidade de tom nada exaltado, para uma característica abertura narrativa, bem como para um “realismo tenro”, no contexto de um raro rigor formal, com uma fotografia de brilho sóbrio mas intenso, e enquadramentos precisos e subtis. Mas aquilo que melhor define estes filmes é a sua afronta ao “mal-estar” [Unbehagen] crescente das sociedades em que vivemos. Reflectem duramente esse mal-estar, seja de um ponto de vista social, tecnológico e económico (Petzold), seja com um pendor mais pessoal (Schanelec, Arslan, Köhler), no espaço-tempo reconhecível da nova Alemanha reunificada. No entanto, o seu carácter profundamente político é localizável, antes de mais, em elementos cinematográficos, e não numa tematização explícita.
Este ciclo de cinema, uma continuação directa de «Um cinema alemão», programa saudavelmente heterodoxo de Olaf Möller para o IndieLisboa 2007, sugere uma visão panorâmica, com filmes de vários realizadores e, na sua quase totalidade, inéditos. A situação deste cinema na Alemanha é difícil, e não terá melhorado com o acolhimento dos últimos e amargos filmes de Arslan e Schanelec. Como a etiqueta Nova Escola de Berlim passou rapidamente de útil beneplácito crítico a profundamente contraproducente, pode estar a dar-se neste momento a destruição deste gesto singular. Uma razão mais para nos juntarmos à luta, nada isenta de alegria e comoção, pelo cinema e pelo mundo ao mesmo tempo, enquanto espectadores.


André Dias, programador


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