O monólogo de Véronika
Véronika (Françoise Lebrun)
Ela serve-se de um Pernod e bebe-o.
VÉRONIKA: ... A tua cabecinha que percebe tudo... que vem com grandes histórias grandiloquentes e absolutamente ridículas e pretensiosas. O que é divertido entre nós é que há uma pessoa que se leva a sério e outra que não se leva a sério. Adivinhem quem se leva a sério.
MARIE: De vocês os dois ou de nós três.
VÉRONIKA: De nós dois. Entre o Alexandre e eu. Ouve, Marie, deixa-me ao menos um vez...
MARIE: Mas eu deixo-te.
Violentamente, Véronika desata a chorar.
VÉRONIKA: Deixa-me, por favor, Marie. Deixa-me, por uma lamentável história de cama…
Entendam os dois de uma vez por todas que para mim as histórias de cama não têm importância absolutamente nenhuma.
E que eu sou tão feliz com vocês os dois. E que se vocês fodem, eu não tenho nada a ver com isso.
Ao menos, entendam de uma vez por todas que me estou a cagar para isso. Que eu vos amo.
Olhem, estou a começar a ficar bêbada e gaguejo e é absolutamente horrível, porque digo o que penso realmente. E poderia ficar o tempo todo com vocês, de tão feliz que sou. Sinto-me amada por vocês os dois.
Ela olha para Alexandre.
... E este que olha para mim com olhos de colhão rameloso, com um ar de sonso, a pensar: está bem miúda, podes falar à vontade, mas vais ser minha.
Por favor, Alexandre, não estou a fazer teatro. Mas o que é que vocês julgam...
Alexandre estende-se, fecha os olhos. Ela fala.
Para mim, não existem putas. Para mim, uma rapariga que fode com qualquer um, que fode de todas as maneiras, não é uma puta. Para mim, não há putas, pronto. Podes fazer um broche a qualquer um, podes ser fodida por qualquer um, não és uma puta.
MARIE: Mas eu concordo com isso.
VÉRONIKA: Não há putas neste mundo, porra, percebam isto. E tu percebes isto de certeza.
Não há putas, o que é que isso quer dizer puta. A mulher que é casada e feliz e que sonha ser fodida sei lá por quem, pelo patrão do marido, ou por um actor merdoso qualquer, ou pelo leiteiro ou pelo canalizador... Será ela uma puta? Não há putas. O que há é conas, o que há é sexos. O que é que tu julgas. Não é triste, hã, é bem divertido.
Canta.
...E eu fodo com qualquer um, e fodem-me e eu aproveito o que posso.
Fala.
...Porque é que vocês dão tanta importância às histórias de cama?
O sexo...
Fodes-me tão bem. Ah! como eu te amo.
Só tu para me foderes assim. Como as pessoas se deixam iludir. Como podem acreditar. Só há um tu, só há um eu. Só tu para me foderes assim. Só eu para ser fodida assim por ti.
Troça.
...Que coisa mais divertida. Que coisa horrível e sórdida. Porra, que coisa sórdida e horrível.
Se soubessem como vos posso amar aos dois. E como isso pode ser independente de uma história de cama. Fiz-me desflorar recentemente, com vinte anos. Dezanove, vinte anos. Coisa recente. E depois, arranjei um máximo de amantes.
E deixei-me foder. E sou talvez uma doente crónica... fodilhona crónica. E, no entanto, estou-me a cagar para a foda.
Se me deixasse emprenhar, ficava fodida ao máximo hã! Aí, tenho um tampão enfiado, e para mo tirarem e para ser fodida, é preciso ser ao máximo. É preciso ser ao máximo. É preciso excitar-me ao máximo. Estou-me a cagar.
Se as pessoas metessem na cabeça de uma vez por todas que foder é uma merda.
Que há só uma coisa muito bonita: é duas pessoas foderem porque se amam tanto que querem ter um filho que se pareça com elas e que se não for assim é algo de sórdido...
Chora.
… Só se devia foder quando se ama verdadeiramente.
E eu não estou bêbada... se estou a chorar... É por toda a minha vida passada, a minha vida sexual passada, que é tão curta. Cinco anos de vida sexual, é muito pouco. Percebes, Marie, falo contigo porque gosto muito de ti.
Tantos homens que me foderam.
Desejaram-me porque tinha um rabo grande que eventualmente pode ser desejável. Tenho seios muito bonitos que são muito desejáveis. A minha boca também não está mal. Quando os meus olhos estão maquilhados também não ficam mal.
E muitos homens desejaram-me assim, percebes, no vazio. E foderam-me muitas vezes no vazio. Não estou a dramatizar, Maria, percebes. Não estou bêbada.
O que é que tu julgas, julgas que fico a remoer a minha sorte merdosa. De maneira nenhuma.
Fodiam-me como uma puta. Mas sabes, acredito que um dia vai aparecer um homem que me vai amar e me vai fazer um filho, porque me ama. E o amor só tem valor quando temos vontade de fazer um filho juntos.
Se temos vontade de fazer um filho, sentimos que amamos. Um casal que não tem vontade de fazer um filho não é um casal, é uma merda, é sei lá o quê, é poeira... os super-casais abertos...
Tu fodes por um lado querida, eu fodo pelo outro. Somos super-felizes juntos. Voltamos a ver-nos. Que bem que estamos. Mas isto não é uma censura, pelo contrário.
A minha tristeza não é uma censura, percebem...
É uma tristeza antiga que se arrasta há cinco anos... Vocês não são para aqui chamados. Vejam bem os dois, vocês vão ficar bem... Como podem ser felizes juntos.
Silêncio.
Fundido a negro.
VÉRONIKA: ... A tua cabecinha que percebe tudo... que vem com grandes histórias grandiloquentes e absolutamente ridículas e pretensiosas. O que é divertido entre nós é que há uma pessoa que se leva a sério e outra que não se leva a sério. Adivinhem quem se leva a sério.
MARIE: De vocês os dois ou de nós três.
VÉRONIKA: De nós dois. Entre o Alexandre e eu. Ouve, Marie, deixa-me ao menos um vez...
MARIE: Mas eu deixo-te.
Violentamente, Véronika desata a chorar.
VÉRONIKA: Deixa-me, por favor, Marie. Deixa-me, por uma lamentável história de cama…
Entendam os dois de uma vez por todas que para mim as histórias de cama não têm importância absolutamente nenhuma.
E que eu sou tão feliz com vocês os dois. E que se vocês fodem, eu não tenho nada a ver com isso.
Ao menos, entendam de uma vez por todas que me estou a cagar para isso. Que eu vos amo.
Olhem, estou a começar a ficar bêbada e gaguejo e é absolutamente horrível, porque digo o que penso realmente. E poderia ficar o tempo todo com vocês, de tão feliz que sou. Sinto-me amada por vocês os dois.
Ela olha para Alexandre.
... E este que olha para mim com olhos de colhão rameloso, com um ar de sonso, a pensar: está bem miúda, podes falar à vontade, mas vais ser minha.
Por favor, Alexandre, não estou a fazer teatro. Mas o que é que vocês julgam...
Alexandre estende-se, fecha os olhos. Ela fala.
Para mim, não existem putas. Para mim, uma rapariga que fode com qualquer um, que fode de todas as maneiras, não é uma puta. Para mim, não há putas, pronto. Podes fazer um broche a qualquer um, podes ser fodida por qualquer um, não és uma puta.
MARIE: Mas eu concordo com isso.
VÉRONIKA: Não há putas neste mundo, porra, percebam isto. E tu percebes isto de certeza.
Não há putas, o que é que isso quer dizer puta. A mulher que é casada e feliz e que sonha ser fodida sei lá por quem, pelo patrão do marido, ou por um actor merdoso qualquer, ou pelo leiteiro ou pelo canalizador... Será ela uma puta? Não há putas. O que há é conas, o que há é sexos. O que é que tu julgas. Não é triste, hã, é bem divertido.
Canta.
...E eu fodo com qualquer um, e fodem-me e eu aproveito o que posso.
Fala.
...Porque é que vocês dão tanta importância às histórias de cama?
O sexo...
Fodes-me tão bem. Ah! como eu te amo.
Só tu para me foderes assim. Como as pessoas se deixam iludir. Como podem acreditar. Só há um tu, só há um eu. Só tu para me foderes assim. Só eu para ser fodida assim por ti.
Troça.
...Que coisa mais divertida. Que coisa horrível e sórdida. Porra, que coisa sórdida e horrível.
Se soubessem como vos posso amar aos dois. E como isso pode ser independente de uma história de cama. Fiz-me desflorar recentemente, com vinte anos. Dezanove, vinte anos. Coisa recente. E depois, arranjei um máximo de amantes.
E deixei-me foder. E sou talvez uma doente crónica... fodilhona crónica. E, no entanto, estou-me a cagar para a foda.
Se me deixasse emprenhar, ficava fodida ao máximo hã! Aí, tenho um tampão enfiado, e para mo tirarem e para ser fodida, é preciso ser ao máximo. É preciso ser ao máximo. É preciso excitar-me ao máximo. Estou-me a cagar.
Se as pessoas metessem na cabeça de uma vez por todas que foder é uma merda.
Que há só uma coisa muito bonita: é duas pessoas foderem porque se amam tanto que querem ter um filho que se pareça com elas e que se não for assim é algo de sórdido...
Chora.
… Só se devia foder quando se ama verdadeiramente.
E eu não estou bêbada... se estou a chorar... É por toda a minha vida passada, a minha vida sexual passada, que é tão curta. Cinco anos de vida sexual, é muito pouco. Percebes, Marie, falo contigo porque gosto muito de ti.
Tantos homens que me foderam.
Desejaram-me porque tinha um rabo grande que eventualmente pode ser desejável. Tenho seios muito bonitos que são muito desejáveis. A minha boca também não está mal. Quando os meus olhos estão maquilhados também não ficam mal.
E muitos homens desejaram-me assim, percebes, no vazio. E foderam-me muitas vezes no vazio. Não estou a dramatizar, Maria, percebes. Não estou bêbada.
O que é que tu julgas, julgas que fico a remoer a minha sorte merdosa. De maneira nenhuma.
Fodiam-me como uma puta. Mas sabes, acredito que um dia vai aparecer um homem que me vai amar e me vai fazer um filho, porque me ama. E o amor só tem valor quando temos vontade de fazer um filho juntos.
Se temos vontade de fazer um filho, sentimos que amamos. Um casal que não tem vontade de fazer um filho não é um casal, é uma merda, é sei lá o quê, é poeira... os super-casais abertos...
Tu fodes por um lado querida, eu fodo pelo outro. Somos super-felizes juntos. Voltamos a ver-nos. Que bem que estamos. Mas isto não é uma censura, pelo contrário.
A minha tristeza não é uma censura, percebem...
É uma tristeza antiga que se arrasta há cinco anos... Vocês não são para aqui chamados. Vejam bem os dois, vocês vão ficar bem... Como podem ser felizes juntos.
Silêncio.
Fundido a negro.
Jean Eustache, La maman et la putain, [trad. colectiva], Cahiers du cinéma, 1998, pp. 116-119
La maman et la putain (1973) de Jean Eustache 5ª, dia 6, 22h - Cinemateca