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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #164 (António Guerreiro): O sublime a que temos direito

“Colossal”, essa palavra que entrou recentemente no discurso político e fez o seu curso tornando-se objeto de glosas irónicas ou mesmo paródicas, é uma arma de fino recorte filosófico, consagrada como conceito por Kant na sua analítica do sublime. Remetendo-a para o campo conceptual onde o pensamento crítico da modernidade a entronizou, obrigatório é concluir que o sublime a que todos hoje temos direito, enquanto experiência de algo colossal, é-nos fornecido pela representação matemática da grandeza das dívidas, dos ganhos, dos empréstimos. Milhões, milhares de milhões, biliões de euros: estes números que desfilam à nossa frente como cálculos objetivos para a nossa vida presente e futura são tão incomensuráveis para todos nós como a especulação metafísica sobre a eternidade. Na sua Crítica da Faculdade do Juízo, Kant definiu o sublime como “o que é absolutamente grande” e como “o que é grande para além de toda a comparação”. E uma das categorias do sublime que ele define é o sublime matemático: o sentimento de uma grandeza desproporcionada em relação às nossas faculdades sensíveis, isto, é, que ultrapassa a medida dos nossos sentidos.  

Assim, Kant chama colossal ao que, por ser demasiado grande para a nossa faculdade de apreensão, exerce uma violência sobre a nossa imaginação. Por via das grandezas colossais, as finanças fornecem hoje um suplemento de sublimidade às massas, ao povo, que perante o colossal ainda mais se sente o “menu peuple”, o povo miúdo: esse que, ao contrário do “povo” das constituições democráticas modernas, não é soberano nem entra no cálculo das decisões políticas. Resta-lhe – resta-nos – a experiência de prazer e ‘desprazer’ que o sublime colossal oferece ao interesse dos sentidos; e o ‘desprazer’ que advém da experiência do confronto com o nosso próprio limite natural.  

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 5.11.2011.

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