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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #163 (António Guerreiro): Os bárbaros que não chegam

Há, em última instância, um acordo relutante e inconfessado entre os que defendem que a superação da crise económica e financeira se faz através da imposição da mais estrita austeridade e os que advogam que essa medida terá um efeito fatal e o que é preciso é estimular o consumo: ambas as partes caem no erro de uma falsa alternativa entre meios e fins que paralisa toda a política (e só serve quem está interessado em trabalhar para a despolitização). Ambas as partes, em suma, obedecem ao mandamento primeiro da teologia económica: o crescimento. Muito timidamente, e enquanto elaboração teórica, surgiu nos últimos anos um discurso do decrescimento que não parece ainda ter adquirido grandes condições para prosperar. Crescer é o mais resistente direito adquirido, cúmplice de um ‘progressivismo’ supra-ideológico. É evidente que mesmo o pensamento que se reivindica de esquerda colabora ativamente com os instrumentos e os modos de pensar que nos governam (desde logo, o produtivismo e o economismo) e, no fundo, não aspira senão a reconciliar tudo com o seu contrário.  
Ora, só um pensamento e uma prática que ousassem levar às últimas consequências uma total falta de ilusão em relação à nossa época poderiam superar esta oposição ao austeritarismo que o preserva no entanto na sua lógica e até na sua pragmática. Todos aqueles que criticam o sistema em que vivemos, hoje à beira do colapso, parecem querer salvá-lo, incapazes de dar o salto que lhes permitiria pôr a questão de um recomeço – esse recomeço que já Walter Benjamin, no início dos anos trinta do século passado, dizia ser a atitude própria dos grandes construtores, daqueles que, fazendo tábua rasa do que vigorava antes, são induzidos a construir a partir do pouco que têm, sem olhar à direita nem à esquerda. Para essa atitude dos construtores capazes de fazer tábua rasa reservou Benjamin o conceito de barbárie positiva. Onde estão estes bárbaros?  

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 30.10.2011.

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