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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #109 (António Guerreiro)

Sobre a suspeita que a arte contemporânea continua a despertar e o falso consenso que lhe serve de resposta

«A resposta de António Pinto Ribeiro (no “Público” de sábado passado) a Pacheco Pereira, tendo como motivo as considerações que este fez sobre a arte contemporânea, as suas instituições e os subsídios, merecia ser prolongada com um debate muito mais alargado. É que a ‘denúncia’ de Pacheco Pereira não um grito isolado, mas a voz que ressalta de um coro. E de nada serve — pode ser mesmo de uma arrogância contraprodutiva — reduzir essas vozes ao ressentimento moral, estético e ideológico. Pacheco Pereira não faz mais do que reproduzir os argumentos que se tornaram lugares-comuns, de tantas vezes repetidos (em França, este debate já tem quase duas décadas): a arte contemporânea é nula, incompreensível, fraudulenta, indevidamente subvencionada pelo Estado, sustentada pelas instituições, produto de um mundo completamente separado do público. Em França, esta frente antiarte contemporânea não integra apenas os Pachecos de lá.

Uma das peças fundamentais desse debate é, aliás, um célebre artigo de Baudrillard no “Libération”, em 1996, intitulado ‘Le Complot de l'Art’. Tese fundamental de Baudrillard: “Não há juízo crítico possível, mas só uma partilha amigável, forçosamente convivial, da nulidade. É esse o complot da arte e a sua cena primitiva.” Olhar a arte contemporânea com um misto de suspeita e ironia não é meramente um desporto de ressentidos, e talvez a melhor resposta não seja ver essa atitude como a do velho senhor escandalizado diante de um urinol transformado em obra de arte. Tão ingénua é a posição de Pacheco Pereira como a daqueles (artistas, comissários, críticos) para quem a noção de arte contemporânea passou a ser uma espécie de categoria metafísica em que o contemporâneo é uma evidência, uma espécie de nome próprio que nem precisa de ser interrogado.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 21.8.2010.

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