Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #86 (António Guerreiro)

Sobre as regras da incompatibilidade 
«Há uma antiga lei não escrita das incompatibilidades que estás a deixar de vigorar. Por exemplo, um escritor não fazia publicidade aos seus próprios livros, deixava que outros a fizessem por si. O recato e a sobriedade podiam dar lugar à exuberância transgressiva, mas mantinham-se como referência. Aquilo que nos pode parecer um puritanismo tinha uma razão funda: era necessário defender a autonomia da obra, mesmo que fosse contra o próprio autor. E defender a sua autonomia era impedir que circunstâncias exteriores biográficas e extraliterárias a desviassem.

Mas hoje até já podemos ver a fotografia de um escritor (José Eduardo Agualusa) com um bebé ao colo a promover um livro de crónicas sobre a experiência de ser pai. É certo que o género da crónica admite, por definição, outras contaminações. Mas a utilização, para efeitos publicitários, da imagem de um bebé e da intimidade paterna faz apelo a algo demasiado primário que devia ser incompatível com as representações de um escritor. E há também razões estéticas, pois aquela foto não diz outra coisa senão isto: “Como é belo e comovente um pai-escritor com o seu bebé ao colo.”»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 13.3.2010.

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