Ao pé da letra #70 (António Guerreiro) «Sobre a vida dos livros que não precisam de ser lidos | |
Restabelecida a acalmia, depois da tempestade de comentários, opiniões e declarações provocados por um romance pícaro feito de matéria narrativa do Antigo Testamento (“Caim”, de seu título), podemos agora retirar algumas conclusões: 1) um livro pode tornar-se polémico mesmo antes de ser lido; 2) a condição para que um livro tenha uma existência alargada no espaço público é o facto de não precisar de ser lido para se falar nele, porque o importante é aquilo que o parasita: a pessoa do autor, as circunstâncias em que é escrito; a matéria temática que o envolve; | 3) os autores dos livros que não precisam de ser lidos concorrem zelosamente para que eles tenham uma vida precária que não implica a leitura, confirmando o que sabemos desde Flaubert mas é hoje de uma enorme evidência: é preciso salvar os livros de quem os escreve; 4) um livro torna-se publicamente ‘interessante’ e poderoso na medida em que consegue curto-circuitar a leitura e a crítica, sendo a sua vida gloriosa assegurada por rumor; 5) os autores dos livros que têm uma existência ostensiva mas não precisam de ser lidos têm cada vez menos autonomia relativamente aos mecanismos da indústria editorial.» António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual, 14.11.2009. |
Ainda não começámos a pensar
We have yet to start thinking
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