«Eu vi Deus.» (raccord falhado)
« KARIN: De repente, tive medo. [olhando em frente]
A porta abriu-se...
mas o Deus que saiu era uma aranha.
Veio na minha direcção e eu vi a cara dele.
Era uma cara horrível e magra.
Trepou por mim acima e tentou entrar dentro de mim.
Mas eu defendi-me.
Vi os olhos dele o tempo todo.
Eram calmos e frios. [corta momentaneamente para o irmão junto à sua saia]
Quando não conseguiu entrar em mim,
subiu para o meu peito,
para a minha cara e subiu para a parede.
Eu vi Deus. [de olhos baixos; corta depois novamente para...] »
A porta abriu-se...
mas o Deus que saiu era uma aranha.
Veio na minha direcção e eu vi a cara dele.
Era uma cara horrível e magra.
Trepou por mim acima e tentou entrar dentro de mim.
Mas eu defendi-me.
Vi os olhos dele o tempo todo.
Eram calmos e frios. [corta momentaneamente para o irmão junto à sua saia]
Quando não conseguiu entrar em mim,
subiu para o meu peito,
para a minha cara e subiu para a parede.
Eu vi Deus. [de olhos baixos; corta depois novamente para...] »
Såsom i en spegel / Em busca da verdade (1961)
de Ingmar Bergman, com Harriet Andersson
de Ingmar Bergman, com Harriet Andersson
Qual o problema afinal? Karin (uma rapariga crescentemente assolada por "perturbações mentais" e que acaba de ter relações sexuais com o seu irmão) diz que viu Deus. Até aqui, nada de mais. Mas o plano em que o diz corta para um do seu irmão junto à sua saia, que manifestamente se encontra levantada pela, presumimos, acção de uma perna dobrada. Pode dizer-se que a linha do olhar do irmão passa mesmo muito rente à saia, dirigindo-se à face de Karin. Somos forçados a imaginar, pela própria geometria do plano, o esforço estritamente visual que esta personagem tem de fazer para evitar o interior da saia. No plano seguinte, em que nada indica uma perturbação da continuidade temporal, vemos o grupo afastado, mas Karin com as pernas agora baixas, logo, com a sua saia completamente em recato. Creio que importa salientar que, numa estrita continuidade de raccord da posição das pernas de Karin, desta perspectiva deveríamos igualmente ter a visão do interior da saia de Karin, não porque o seu conteúdo fosse particularmente revelador, mas por estar em estrita continuidade com a menção da visão de Deus, de que somos assim desapossados mais uma vez, nesta infinita série de raccords falhados.
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