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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #155 (António Guerreiro): Os blogues e a estrutura mafiosa do poder

Quando surgiram, os blogues eram portadores de uma grande virtualidade que nos remetia para a herança mais indeclinável do projeto iluminista: a racionalidade, a discussão e a socialização do saber que exigem a abertura do espaço público mediático. Fazendo um balanço do que se passou em Portugal, devemos concluir que esse projeto falhou. E são sobretudo os blogues de carácter político que exibem esse falhanço escandaloso. De um modo geral, a propaganda (à esquerda e à direita) sobrepôs-se à discussão política e arrastou tudo no seu movimento. Uma vez instaurado o regime da propaganda, a linguagem dominante passou a ser a do insulto e a regra é a da guerra civil permanente. A esperança iluminista soçobrou no obscurantismo. E, como de uma guerra civil se trata, os conflitos têm uma dimensão familiar e regional; e, como de propaganda se trata, tudo se reduz a táticas discursivas e planos de ocupação do terreno. 

Este jogo de guerra pressupõe uma intriga novelesca e códigos de elaboração que só os protagonistas e quem os acompanha exaustivamente (sem perder o fio à meada) podem perceber. Tudo se reduz a uma longa conversa entre eles. Tão codificada como as conversas de família. Em rigor, o que temos é uma conversa interminável, pois os blogues políticos tornaram-se ‘chats’, isto é, veículos da tagarelice e da parolice. E, no entanto, estão longe de ser inócuos e de ser insignificantes no que revelam. Organizados como uma estrutura mafiosa, eles fornecem hoje o modelo e os instrumentos, como é fácil perceber, da própria organização mafiosa do poder político que se foi edificando nas últimas duas décadas. Por ‘organização mafiosa’ não se entenda organização criminosa. É outra coisa: é uma organização que sobrevive através das construção de uma teia de relações ‘familiares’ e que faz da propaganda a arma principal do seu desígnio: a autoproteção que garante a sobrevivência. 

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Atual, Portugal, 3.9.2011.

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