Ainda não começámos a pensar
                                               We have yet to start thinking
 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

[Desemprego] (Giorgio Agamben)

Eu trabalhava sobre os anjos, enquanto ministros e funcionários da providência, quer dizer, do governo divino do mundo. A angelologia é, neste sentido, o paradigma da burocracia. Ora, nos teólogos, uma pergunta estava sempre a aparecer. O que acontece aos anjos depois do juízo final, quando a obra do governo divino do mundo e a história da salvação estiverem concluídas de uma vez por todas? Sobre isto, os teólogos são formais: os anjos serão destituídos das suas funções, não terão literalmente mais nada para fazer. Desemprego e inoperância [désœuvrement] são no paraíso o estado normal. E a inoperância não diz respeito apenas aos anjos, mas também aos bem-aventurados e ao próprio Cristo, que no paraíso não têm rigorosamente nada para fazer.
Ora, perante esta inoperância, os teólogos têm dificuldade em concebê-la. Assim, no final da sua obra-prima, A Cidade de Deus, no momento de descrever a condição dos bem-aventurados, que se situa para lá tanto da ação como do otium, Agostinho vê-se obrigado a confessar que ela “ultrapassa toda a inteligência”. Foi aí que me pareceu que a inoperância — ou seja, essa figura da praxis que não é nem produção nem repouso — é verdadeiramente aquilo que a nossa cultura é incapaz de pensar.

Giorgio Agamben, in Aliocha Wald Lasowski, «Le désoeuvrement, pratique humaine et politique» («Oeuvrer / désoeuvrer : en quête d'un nouveau paradigme. Entretien avec Giorgio Agamben», Agenda de la pensée contemporaine, nº 16, Primavera 2010)

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