Ainda não começámos a pensar
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 Cinema e pensamento | On cinema and thought                                                                              @ André Dias

Ao pé da letra #34 (António Guerreiro)

«A ideologia irrompe onde parece mais improvável

Os relatórios meteorológicos, tais como os media os traduzem e difundem, estão longe de ser elementos de informação neutra. Pelo contrário, são peças carregadas de ideologia. Orientados pelo ponto de vista do indivíduo urbano que aspira ao lazer e acha que os astros devem rodar à medida de um hedonismo climático que o padrão turístico tornou universal, “bom tempo” significa sempre sol e calor, e “mau tempo” é sempre chuva e frio. Pode não chover há três meses, estarmos em pleno Inverno, mas a previsão de que no dia seguinte não há nuvens merece sempre um louvor ao “bom tempo”; podem as barragens estar vazias e os campos secos, mas o anúncio de que irá chover é sempre notícia de “mau tempo”.


Neste mundo climatizado de boletins meteorológicos permeáveis à ideologia, já ninguém sabe viver com as variações extremas do tempo, e é por isso necessária a intervenção da protecção civil sempre que chove com mais abundância ou caem uns flocos de neve. A protecção civil parece uma mãe zelosa que vigia e recolhe as suas crias irresponsáveis e indefesas. Para ela, todos os cidadãos são crianças que podem precipitar-se numa poça de água ou sair para a neve como se fossem para a praia. Faça o tempo que fizer, há sempre uma instância estatal que cuida de nós, trata da nossa saúde e nos protege dos elementos. E a isto se reduz hoje a esfera da política.»

António Guerreiro, «Ao pé da letra», Expresso-Actual
, 7.2.2009.

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